O café da tarde
Era uma vez dois meninos que vivam principalmente no jardim da frente, pois sua vila era de tipo projetado. O jardim da frente tinha aproximadamente o mesmo tamanho da mesa de jantar. [..]. Enquanto brincavam, um homem, provavelmente o leiteiro, debruçou-se sobre a cerca e entabulou uma conversa filosófica com eles. Os meninos, que chamaremos Pedro e Paulo, estavam vivamente interessados no que ele dizia. Pois o leiteiro (que era, devo dizer, uma fada) cumpriu seus deveres de estado oferecendo-lhes, como de praxe, qualquer coisa que quisessem pedir.
Paulo, por sua vez, acertou a oferta de forma bastante brusca, explicando àquela fada (ou gênio da lâmpada, para os imaginários modernos) que sempre quisera ser um gigante, que pudesse caminhar entre os continentes e oceanos e visitar as Cataratas do Niágara e o Himalaia com apenas alguns passos. O leiteiro, tendo retirado do bolso sua varinha mágica, agitou-a e, num instante, Paulo se transformou em um imenso gigante. Ele saiu caminhando com a cabeça acima das nuvens para visitar o Niágara e o Himalaia.
Quando Paulo chegou ao Himalaia, descobriu que aquelas montanhas eram pequenas e sem graça. Quando chegou ao Niágara, percebeu que aquelas cachoeiras pareciam não mais interessantes do que a água que cai da pia da cozinha. Ele caminhou ao redor do mundo por mais alguns minutos tentando encontrar algo grande o suficiente, mas achava tudo pequeno. Entediado, deitou-se num campo e adormeceu.
Naquele mesmo campo, vivia um caipira católico. No mesmo dia, havia ouvido, na missa matinal, que "o mal do orgulho consiste em estar fora de proporção com o universo". O caipira, então, pegou um machado e, durante alguns dias, trabalhando durante oito horas por dia e sete dias por semana, decepou a cabeça do gigante Paulo, e esse foi seu entediante fim.
Pedro, por sua vez, disse ao leiteiro-fada que tudo que sempre quis era ser pequeno como uma formiga. Com aquele mesmo agito da varinha, o pequeno jardim em que estava transformou-se completamente. Estava agora em meio à uma grande floresta verde, com árvores que mais pareciam grandes caules, que saiam do chão e tocavam o céu. Ao longe, via grandes árvores (agora de verdade), podendo ver apenas o seu topo de forma embaçada, contemplando o ar dourado daquelas árvores e querendo subir nelas para ver como era lá em cima.
Pedro caminhava em meio à essa floresta que pareciam não ter fim. A cada cinco minutos de caminhada, percebia que a vegetação mudava. As grandes árvores verdes haviam sido deixadas pra trás e ele entrava num misterioso e belíssimo deserto, e podia ver ao longe pequenos oásis, aonde encontrava outros pequenos como ele, que se aproximavam daquelas grandes árvores que não podiam ver o topo para descansar, jogar conversa fora, se alimentar e trabalhar.
Paulo, por sua vez, acertou a oferta de forma bastante brusca, explicando àquela fada (ou gênio da lâmpada, para os imaginários modernos) que sempre quisera ser um gigante, que pudesse caminhar entre os continentes e oceanos e visitar as Cataratas do Niágara e o Himalaia com apenas alguns passos. O leiteiro, tendo retirado do bolso sua varinha mágica, agitou-a e, num instante, Paulo se transformou em um imenso gigante. Ele saiu caminhando com a cabeça acima das nuvens para visitar o Niágara e o Himalaia.
Quando Paulo chegou ao Himalaia, descobriu que aquelas montanhas eram pequenas e sem graça. Quando chegou ao Niágara, percebeu que aquelas cachoeiras pareciam não mais interessantes do que a água que cai da pia da cozinha. Ele caminhou ao redor do mundo por mais alguns minutos tentando encontrar algo grande o suficiente, mas achava tudo pequeno. Entediado, deitou-se num campo e adormeceu.
Naquele mesmo campo, vivia um caipira católico. No mesmo dia, havia ouvido, na missa matinal, que "o mal do orgulho consiste em estar fora de proporção com o universo". O caipira, então, pegou um machado e, durante alguns dias, trabalhando durante oito horas por dia e sete dias por semana, decepou a cabeça do gigante Paulo, e esse foi seu entediante fim.
Pedro, por sua vez, disse ao leiteiro-fada que tudo que sempre quis era ser pequeno como uma formiga. Com aquele mesmo agito da varinha, o pequeno jardim em que estava transformou-se completamente. Estava agora em meio à uma grande floresta verde, com árvores que mais pareciam grandes caules, que saiam do chão e tocavam o céu. Ao longe, via grandes árvores (agora de verdade), podendo ver apenas o seu topo de forma embaçada, contemplando o ar dourado daquelas árvores e querendo subir nelas para ver como era lá em cima.
Pedro caminhava em meio à essa floresta que pareciam não ter fim. A cada cinco minutos de caminhada, percebia que a vegetação mudava. As grandes árvores verdes haviam sido deixadas pra trás e ele entrava num misterioso e belíssimo deserto, e podia ver ao longe pequenos oásis, aonde encontrava outros pequenos como ele, que se aproximavam daquelas grandes árvores que não podiam ver o topo para descansar, jogar conversa fora, se alimentar e trabalhar.
Adaptado do livro "Tremendas Trivialidades" de G. K. Chesterton
A história de Pedro e Paulo é o completo diagnóstico do homem pós-adâmico. A princípio, parece uma história sobre o orgulho e a vaidade. Todavia, é mais interior - complexa, cheia de significado - do que pode parecer numa leitura rápida.
Paulo desejou ser grande. Previa que sua vocação era a grandiosidade de estar sempre com a cabeça nos altos céus. Queria entreter-se com as nuvens e conhecer lugares que nunca havia conhecido antes. Ser, ao fim e ao cabo, um gigante. Não se importava com a pequena cidade em que morava, nem mesmo com seu amigo Pedro: queria mesmo era vencer o mundo e tornar-se um gigante.
Pedro, ao contrário, tinha um desejo similar, mas perfeitamente diverso. Queria conhecer o mundo, mas não como alguém que olha as montanhas e, sendo tão grande, compara-as com a pia da cozinha. Ao contrário, sonhava em tornar-se tão pequeno que a grama, a calçada, o campo de areia e as árvores nas ruas tornassem-se o seu campo de conhecimento. Enquanto Paulo queria conhecer o mundo, desbravar o himalaia, molhar os dedos dos pés nas cataratas do Niágara, Pedro queria apenas contemplar aquilo que estava ao seu redor.
E porque esta estória é tão importante pra mim e pra você? Ora, é evidente que nosso mundo passa, ao fim e ao cabo, por uma crise vocacional sem precedentes. Almas preguiçosas, insolentes, ridículas e egoístas bradam nas redes sociais por um mundo mais humano, enquanto esquecem-se de contemplar o próprio trabalho. Desejam ir até os centros de poder e mudar o mundo; transformar os outros, fazer com que percebam a triste realidade em que vivem e fazer guerra contra as injustiças! Mas não percebem que, em não sendo homens e mulheres justos, jamais conseguirão contemplar a justiça como ela deve ser.
Ao mesmo tempo, em um contexto de fé católica, é bastante comum questionarmos Deus de onde ele nos quer, o que deseja que façamos e aonde quer que desbravemos. Esquecendo-nos da nossa própria realidade, vamos, como Paulo, tentar contemplar vôos altos e irreais, montanhas distantes e cachoeiras. E, desse modo, a vida comum que pulsa ao nosso redor torna-se entediante. A faculdade, o emprego, o namoro, os amigos, a família, a casa, as séries de televisão; a vida comum se torna tediosa e perde seu significado espiritual, porque buscamos esticar nosso pescoço para ver a vida espiritual das montanhas!
Esquecendo-se de contemplar a Deus no calor de um café recém coado, perdemos o senso da fé; queremos a grandeza e o gigantismo, quando a vontade de Deus pra nós está justamente na realidade tediosa de nosso dia-a-dia.
Querendo ser gigantes, tornaremos-nos uns entediados adormecidos, e teremos, como Paulo, nossas cabeças cortadas por alguém que, ao fim e ao cabo, vivia a sua vida caipira e era infinitamente mais sábio do que nós.
Instalar-se na realidade - e contemplar a Deus no cafezinho da tarde - é o primeiro passo para uma vida espiritual constante, significativa, íntima. Lutar contra a realidade da sua própria miséria - e ficar angustiado com "seu caminho, a vontade de Deus, a tristeza dessa vida entediante" só fará com que eu e você esqueçamos que o Bom Deus, naqueles dias mais tediosos, só estava sentado à mesa nos esperando para tomar um bom café.
Paulo desejou ser grande. Previa que sua vocação era a grandiosidade de estar sempre com a cabeça nos altos céus. Queria entreter-se com as nuvens e conhecer lugares que nunca havia conhecido antes. Ser, ao fim e ao cabo, um gigante. Não se importava com a pequena cidade em que morava, nem mesmo com seu amigo Pedro: queria mesmo era vencer o mundo e tornar-se um gigante.
Pedro, ao contrário, tinha um desejo similar, mas perfeitamente diverso. Queria conhecer o mundo, mas não como alguém que olha as montanhas e, sendo tão grande, compara-as com a pia da cozinha. Ao contrário, sonhava em tornar-se tão pequeno que a grama, a calçada, o campo de areia e as árvores nas ruas tornassem-se o seu campo de conhecimento. Enquanto Paulo queria conhecer o mundo, desbravar o himalaia, molhar os dedos dos pés nas cataratas do Niágara, Pedro queria apenas contemplar aquilo que estava ao seu redor.
E porque esta estória é tão importante pra mim e pra você? Ora, é evidente que nosso mundo passa, ao fim e ao cabo, por uma crise vocacional sem precedentes. Almas preguiçosas, insolentes, ridículas e egoístas bradam nas redes sociais por um mundo mais humano, enquanto esquecem-se de contemplar o próprio trabalho. Desejam ir até os centros de poder e mudar o mundo; transformar os outros, fazer com que percebam a triste realidade em que vivem e fazer guerra contra as injustiças! Mas não percebem que, em não sendo homens e mulheres justos, jamais conseguirão contemplar a justiça como ela deve ser.
Ao mesmo tempo, em um contexto de fé católica, é bastante comum questionarmos Deus de onde ele nos quer, o que deseja que façamos e aonde quer que desbravemos. Esquecendo-nos da nossa própria realidade, vamos, como Paulo, tentar contemplar vôos altos e irreais, montanhas distantes e cachoeiras. E, desse modo, a vida comum que pulsa ao nosso redor torna-se entediante. A faculdade, o emprego, o namoro, os amigos, a família, a casa, as séries de televisão; a vida comum se torna tediosa e perde seu significado espiritual, porque buscamos esticar nosso pescoço para ver a vida espiritual das montanhas!
Esquecendo-se de contemplar a Deus no calor de um café recém coado, perdemos o senso da fé; queremos a grandeza e o gigantismo, quando a vontade de Deus pra nós está justamente na realidade tediosa de nosso dia-a-dia.
Querendo ser gigantes, tornaremos-nos uns entediados adormecidos, e teremos, como Paulo, nossas cabeças cortadas por alguém que, ao fim e ao cabo, vivia a sua vida caipira e era infinitamente mais sábio do que nós.
Instalar-se na realidade - e contemplar a Deus no cafezinho da tarde - é o primeiro passo para uma vida espiritual constante, significativa, íntima. Lutar contra a realidade da sua própria miséria - e ficar angustiado com "seu caminho, a vontade de Deus, a tristeza dessa vida entediante" só fará com que eu e você esqueçamos que o Bom Deus, naqueles dias mais tediosos, só estava sentado à mesa nos esperando para tomar um bom café.
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